Eu não daria pro Chico Buarque

- Eu não daria pro Chico Buarque.

De repente fez-se um silêncio sepulcral naquela mesa de bar. Aliás o bar inteiro praticamente parou. As pessoas ao redor se entreolharam e cochicharam o absurdo. Até o rapaz que tocava violão, animando o ambiente, deu uma desafinada e parou por alguns segundos pra se recompor. O garçom, que já servia outro chope na mesa, quase o derruba, deu meia volta fingindo não ter se chocado com a afirmativa.

- Como assim não daria pro Chico Buarque??? – o homem gritou indignado, batendo com estupidez a caneca de chope no tampo da mesa onde estavam sentados.

- Não dando. Ele não podia crer no que a mulher falava com tamanha calma.

- Qualquer mulher daria pro Chico Buarque. De onde venho, isso é lei! – retrucou ainda meio alterado.

- Meu amor, eu não sou qualquer mulher.

- Até eu daria pro Chico Buarque!!!

- Não duvido que ele te coma.

- Mas o que é isso??? Onde é que nós estamos... Tá chamando o Chico de fresco? Não, isso já é demais.

- Não, é que esse povo artista... Enfim. São tão modernos...

- O Chico não! Ele é tradicional, à moda antiga. O pai dele era baiano, o avô pernambucano, o bisavô mineiro e o tataravô baiano. Pô, e o maestro soberano ainda foi Antônio Brasileiro...

- O Chico é inteligentíssimo, talentoso, uma lenda. Mas já ta caído.

- Que heresia! - Mais novo ainda era pegável, mesmo assim... Não sei, não faz o meu tipo. Agora, o Vinicius... huuuuum... delicinha.

- O queeeeee??? Não, agora eu vou passar mal. Pra aquele velho gordo, barrigudo, careca, boêmio e mulherengo tu davas, agora pro Chico, não?

- Ah, mas por favor... Imagina no ouvido um “se você quer ser minha namorada, ai que linda namorada você poderia ser...”, Ah, o Vinicius entendia as mulheres...

-E o Chico não? Minha filha, o Chico era a própria mulher!

- Mais um motivo. Uma marica.

- Vou ter um AVC, juro. Não acredito no que estou ouvindo.

- Olha, outro pra quem eu daria era o Caetano.

- Mas o Caetano é que é uma marica! Não entendo!

- Mas ele tem aquela baianidade, sabe... “linda e sabe viver, você é linda, sim..”.

- Tu ainda terias que aturar o mau humor da Betânia como cunhada.

- Ei, eu falei que daria, só.

- Duvido que resistirias ao Chico falando téte-a-téte contigo: “faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã...”

- Eu conversaria com o Chico a noite toda, olhando nos olhos, ficaria encantada e ele até tentaria me cantar. Mas eu sairia de lá abraçada e bêbada com ele do bar...

- E daria.

- Não. Voltaria pra casa, pensado no Tom.

- O que? Tu és uma Ana de Amsterdam, isso sim, cara! Darias pra toda a MPB, sem dar uma forra pro Chico? Isso já é marcação.

- “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar...”

- “Olhos nos olhos quero ver o que você faz”, nada?

- Não gosto de olhos azuis.

- “E me agarrei aos teus pijamas, nos teus pêlos, nos teus pés aos pés da cama”, nada?

- Muito sem amor próprio.

- “Como, se nos amamos feito dois pagãos, teus seios ainda estão nas minhas mãos, me explica com que cara eu vou sair”, nada?

- É, forte, mas... não.

- “quero brincar no teu corpo feito bailarina, que logo se alucina, salta e te ilumina”, nada?

- Ah... Pára.

- “Passo dentro daquela mulher. Com outros homens, ela só me diz que sempre se exibiu e até fingiu sentir prazer, mas nunca soube antes de mim que o amor vai longe assim...”

- Isso... Isso é dele, é?

- “O meu amor tem um jeito manso que é só seu, de me deixar maluca, quando me roça a nuca, e quase me machuca com a barba mal feita. E de pousar as coxas entre as minhas coxas quando ele se deita...”

- Tá bom, tá bom. Eu dava! Dava!!!! Pronto!

- Bah, vocês mulheres são todas iguais.

(Bianca Teixeira)

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Eu admito, eu dava pro Chico sem pensar duas vezes! Pá-Pum, já tava lá!

beijos e queijos